Ailton Salviano – Publicado pelo Jornal de Hoje (Edição de 5 e 6/03/2011)

Imagine um país extremamente religioso (católico). Uma data santificada – Dia de todos os santos. E ainda, uma época em que a ciência dava os seus primeiros passos. Foi neste cenário que numa sexta-feira, poucos minutos além das 9 horas da manhã do dia 1 de novembro de 1755, a cidade de Lisboa foi abalada por um terremoto que causou um grande número de vítimas fatais (entre 10 e 100 mil).

A família real e muitos fieis haviam assistido à missa matinal desse dia santo quando de repente, a capital lisboeta foi atingida por um sismo que, além da destruição, teve repercussões em muitas áreas do conhecimento humano. Na época, não havia a Escala Richter (surgiu em 1935), estima-se que o abalo tenha atingido a magnitude 9 (10 é a máxima). O fenômeno atingiu também todo o sul de Portugal e o norte da África.

Em Lisboa, o abalo foi seguido por um “tsunami” com ondas gigantescas. Focos de incêndios irromperam em vários pontos da cidade. 80% da cidade foram destruídos: Museus, bibliotecas, igrejas. Na reconstrução da cidade, historiadores afirmam que o ouro procedente do Brasil foi fundamental. Para outros, a elevação dos impostos na colônia teve também o seu papel. Alguns ironizam e afirmam que entre os produtos brasileiros sobretaxados estava a nossa cachaça, do que se induz que o consumo da nossa caninha ajudou a soerguer a capital portuguesa.

Na época desse terremoto, a Europa vivia o “Iluminismo”. O século 18 passou para a história como “Século das Luzes”. Os iluministas acreditavam que os humanos usando o livre exercício das suas capacidades tinham condições de tornar o mundo melhor. Era “o sair da tutelagem que eles mesmos se impuseram”, no pensar do filósofo alemão Imannuel Kant (1724-1804). Ainda no início deste século (1710), outro filósofo germânico, Gottfried Leibniz (1646-1716) havia criado a Teodicéia, tratado filosófico que discutia a bondade de Deus, a liberdade do homem e a origem do mal. Para Leibniz, este seria o melhor dos mundos possíveis.

François-Marie Arouet, “Voltaire” (1694-1774), ícone do Iluminismo e um dos maiores prosadores da língua francesa, foi mestre em todos os gêneros literários. Escreveu poesias nos mais variados estilos (épico, satírico, ode, epístola); peças teatrais (tragédia, comédia, ópera); história, além de contos, sátiras, diálogos e panfletos. Concluiu seus escritos com um Tratado Científico. Filósofo e ensaísta, provocou muitas polêmicas. Segundo o professor inglês Graham Gargett, “Voltaire combateu, atacou e ridicularizou a Bíblia. Mas no final das contas sentiu seu poder e mesmo a atração exercida por Jesus”. (Ensaio “Voltaire e a Bíblia).

Este francês de sorriso macabro, (hideux sourire), no dizer do poeta Alfred Musset, na sua obra “Lettres Philosophiques” (1734) adotou os princípios da física newtoniana em detrimento da física do seu compatriota Descartes. Como sempre, polêmico, com isto provocou uma celeuma e para muitos da época, uma atitude antipatriótica. Recolhido ao Castelo de Cirey a 250Km de Paris, Voltaire durante 15 anos estudou ciência e filosofia com a sua companheira Mme. Du Châtelet. Em 1738 publicou o livro “Éléments de la philosophie de Newton”, obra que até 1785 teve 26 edições. Certamente, Voltaire acreditava que o desenvolvimento da ciência tornaria bem melhores as condições de vida.

O terremoto de Lisboa lhe causou profundo desapontamento. Segundo ensaio dos professores David Beeson e Nicholas Cronk, “esse acontecimento fez vacilar o otimismo e a confiança de Voltaire na capacidade que o conhecimento científico tem de ajudar o homem a controlar seu entorno…”. O fato de a ciência ser incapaz de prever o fenômeno contribuiu para que Voltaire perdesse seu interesse nas ciências físicas. Em 1756, escreveu “Poème sur le desastre de Lisbonne” em que aborda filosoficamente o mal. Em 1759, ao publicar “Cândido ou o Otimismo” retratou um mundo materialista e cruel.

Infelizmente, nos tempos atuais, dois séculos e meio após o terremoto que destruiu a capital portuguesa, com toda a evolução tecnológica, as ciências geológicas continuam sem condições de prever abalos sísmicos. Com o advento da Teoria da Tectônica de Placas, conhece-se em todo o globo terrestre as zonas passíveis desse fenômeno, porém a sua previsão, em termos precisos de localidade, hora e intensidade, é ainda impossível para a ciência.

(*) Comentários para o e-mail: ailton@digi.com.br

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