Ailton Salviano

Fervor pelas reformas sociais. Necessidade de acabar com a pobreza. Revelar a corrupção que se esconde sob o polido exterior das altas rodas. Paixão pela justiça social. Criação de uma sociedade mais eqüitativa. Não, não se trata de programa de algum partido socialista atual que pretende assumir o governo de algum país em desenvolvimento. Esses ideais que parecem tão atuais como se tivessem sido cunhados neste primeiro qüinqüênio do século XXI ou que tenham sido veementemente repetidos no programa político da noite passada na TV, são reminiscências do movimento literário autônomo conhecido por Realismo que surgiu na França no século XIX e se estendeu pela Inglaterra vitoriana, Alemanha, Rússia e Estados Unidos, chegando posteriormente ao Brasil.

O movimento que se iniciou simplesmente como uma espécie de reação ao romantismo que apresentava apenas as benesses e o ambiente de sentimentalismo e sonhos da socieda-de, de repente enveredou por uma trajetória de questões sociais, aproveitando as descobertas da época, nas áreas da sociologia, biologia e psicologia. O entusiasmo despertado pelos novos saberes, inclusive no campo das ciências e das artes vislumbrava como bem pensou o francês Augusto Comte com o seu positivismo, dias melhores para a sociedade, daí a idéia de pro-gresso e o chavão “saber para prever e prever para prover”.

As dezessete décadas que nos separam desse movimento não foram suficientes para concretizar o idealismo e a esperança daqueles pensadores que aderiram espontaneamente àquele movimento.

Não precisou passar muito tempo para surgirem as primeiras decepções. Os conhecimentos técnico-científicos que se pensava ser o grande pilar para domínio e controle da natureza, organizando o social e evitando conflitos, revoltas, revoluções não conseguiram barrar o desencadeamento da II Guerra Mundial e outras guerras que se seguiram – Coréia, Vietnam, Oriente Médio, Iraque etc. O nosso incomparável Ruy Barbosa nascido na Bahia em 1849, foi contemporâneo, mas não partícipe do movimento realista. Compelido por razões de ordem moral em discurso no Senado em 1914, decepcionado com o triunfo e a prosperidade de tantas injustiças e desonras, profetizava a possibilidade dos homens de bem virem a sentir vergo-nha da honestidade.

Pena que os problemas sociais ainda perdurem, esperando pelas tão propaladas reformas. Lamentável que as sociedades continuem a ser mais injustas de modo crescente, tornando-se desiguais em renda e oportunidades. Deplorável, perceber-se que a justiça social transformou-se em utopia e os escândalos das altas rodas, principalmente nos meios políticos, multiplicam-se, refletindo-se nos esquemas fecundos de suborno e corrupção. Corrupção esta, tal como um indesejável cancro que se pretendia revelar e extirpar, tornou-se endêmica desde o mais miserável ao mais desenvolvido dos países.

Se tivéssemos o privilégio da longevidade para atravessar todo esse período, desde o início do Realismo, teríamos ouvido o repetir da cantilena de todas essas promessas durante o final do século XIX, no transcorrer de todo o século XX e neste início de século XXI.

A atual crise política no senado do Brasil e as anteriores que envolveram o partido do go-verno, epicentro de sucessivos e incontáveis casos de corrupção, vão além do esbarrar-se com os velhos princípios do Realismo, para tornar-se um exemplo típico e didático da “Caixa de Pandora” da mitologia grega. Algo que a princípio parecia insuspeito, de repente, alguém abriu e até agora, só males que afligem e envergonham a nossa sociedade têm escapado. Há no nosso exemplo, diferentemente do grego, uma circunstância deveras agravante, o aparecimento diário de denúncias torna cada vez mais remota, a possibilidade de encontrar-se alguma esperança no fundo da caixa.

  1. Enjôlras de A. Medeiros Lima

    Amigo Ailton,

    Como sempre, mais um excelente artigo, escrito com mestria.
    Sempre que puder, através deste site, denuncie a corrupção endêmica e estes políticos que teimam em fazer os homens de bem descrer do poder depurativo da democracia. No país do renan , delúbio, paloci, há também o Gabeira, o Simon, o Torres, o Perez. Mesmo mui lentamente, um dia chegaremos lá. Temos que ter esperança de dias melhores para o nosso país, que só se libertará dos maus políticos e maus governos através de um grande esforço educacional. Abs. Enjôlras

  2. A esperança nunca morre! Mas, é preciso que os brasileiros sinceros e honestos façam algo para melhorar esse país.
    Com esperanças que isso acontece,
    Abraços
    Alav

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