Ailton Salviano

Lendo um pequeno conto do dramaturgo e polemista irlandês, Bernard Shaw, deparei-me com a expressão “cockney” que a chamada do pé de página dizia ser equivalente a “londrino”. Nestes momentos de dúvida, o meu vizinho e amigo inglês, Alan Wootton, torna-se a minha infalível fonte de consultas.

Pois bem, segundo Alan, a expressão “cockney” é análoga ao termo “carioca” que designa além do nascido na cidade do Rio de Janeiro, uma maneira de ser e de falar. Há apenas, uma pequena diferença, o termo inglês está associado a algumas histórias interessantes.

Primeiro, com essa palavra se designa o habitante londrino nascido no extremo leste da cidade ou a sua parte mais pobre até onde se pode ouvir o dobrar dos sinos da Igreja Santa Mary-le-Bow. Nesta área londrina desenvolveu-se em meados do século XIX, uma espécie de dialeto inglês chamado “cockney”: uma maneira diferente de falar o idioma de Shakespeare, como o nosso carioca fala o português e constantemente cria novas gírias.

Alguns chamam “cockney” uma forma de linguagem que facilita a rima em inglês. Na realidade, tal dialeto surgiu com os trabalhadores das docas por volta de 1850 e era uma espécie de linguagem secreta no submundo londrino. Foi também utilizada pelos vilões como código para confundir policiais e alcagüetes. Por essas plagas, também vagava a figura insólita de Jack, o estripador.

Tal dialeto, embora subestimado e estigmatizado pelos eruditos da língua inglesa, é objeto de estudos por parte de especialistas em lingüística, como o Dr. John Well, professor de fonética da Universidade de Londres e especialista nessa linguagem. Tais estudos já produziram dezenas de livros e dicionários.

Francamente, não esperava ao consultar meu velho amigo britânico sobre uma simples palavra, fosse desencadear uma seqüência de explicações que enveredam por problemas sociolingüísticos. Para complemento e atualização, a consulta já se encontra nas mãos de David Wootton, irmão do Alan, residente na Inglaterra.

Em tempo, a palavra “cockney” é a forma apocopada ou sintética de “cock’s egg” que numa tradução livro é “ovo de galo” que seria o ovo disforme posto algumas vezes, por galinhas jovens. Originalmente, de forma irônica, a denominação era dada aos nascidos nas cidades, considerados fracos (referência ao ovo) em oposição à fortaleza dos nascidos na zona rural. Aliás, é nessa acepção que Shaw utiliza o termo, mesmo sem ser um “cockney” nato, satiriza a vida e os habitantes do campo. Atualmente, o termo é usado pelos nativos do extremo leste da capital inglesa com orgulho e respeito.

  1. Rapaz, o que uma pergunta banal pode ocasionar?
    Parabéns Ailton, este texto me surpreendeu pela simplicidade funtamental e os desdobramentos que provocou.

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