Ailton Salviano

Nesse mundo globalizado, paciente crônico das agruras do neoliberalismo e com elevados índices de desemprego, conseguir um cargo que não exija qualificação nem experiência e ainda, com direito a uma série interminável de benesses é o sonho de quem almeja levar a vida num mar de rosas. Refiro-me aos cargos eletivos. Apesar disso, alguns inescrupulosos conseguem o emprego e insatisfeitos com tanta vantagem, mordomia e benefícios ainda são acessíveis a propinas e subornos.

Para ser candidato a algum desses cargos, o cidadão, obviamente, tem que obedecer às normas estabelecidas no Código Eleitoral, um anacrônico instrumento jurídico instituído há 40 anos, enxertado de leis de ocasião, plenas de casuísmos. Em nome da Democracia Representativa, as mais importantes exigências para inscrição de candidatos são: ser filiado a algum partido; registrar-se dentro do prazo; o requerimento do registro tem que ser feito pelo próprio candidato (Talvez a mais difícil (?) exigência estabelecida pela Lei Complementar n. 9.504/97, art. 11, § 4º).

Esse requerimento deverá ser instruído com: cópia da ata da convenção do partido; autorização do candidato (é necessário afirmar que aceita ser candidato); certidão do cartório eleitoral da zona de inscrição (prova que é eleitor); prova de filiação partidária. Como se percebe, não se exige qualquer escolaridade, nem prática na função. Como, por exemplo, normalmente dois anos de prática forense em concurso para Procurador.

Aprovado, o eleito dispõe de um consistente Plano de Carreira. Eis um exemplo clássico: certo político cearense, em duas legislaturas, foi de Vereador a Senador. Atropelou todos os cargos intermediários. Comparando com a iniciativa privada, é como se um empregado, nesse período, entrasse como servente e alcançasse a diretoria da empresa. Apesar dos excelentes salários, o candidato eleito ainda poderá usufruir de “hora extra”. São as convocações extraordinárias, de modo geral, pouco produtivas.

Pois é, caro eleitor brasileiro, para esse emprego dos sonhos, não é preciso entrar em cursinhos, nem comprar livros ou apostilas, nem pagar taxas de inscrição, nem apresentar qualquer comprovante de aptidão. Numa analogia com os concursos comuns, a concorrência pode ser considerada baixa. Às vezes, dois candidatos para uma vaga. E mais: a investidura é imediata e a estabilidade no emprego é garantida por quatro e até oito anos, dependendo do cargo.

Os salários, pagos religiosamente em dia, são os maiores suportados pelo erário. Para garantir-se no cargo, exige-se, sem muito rigor, freqüência. Logo, aprende-se a usar muitos subterfúgios e repetir velhos e batidos chavões. Envolve-se sempre o que o povo (palavra-chave) não tem: emprego, saúde, educação, segurança, saneamento, lazer etc. Rezar nessa cartilha de necessidades significa ter muitas chances de perpetuar-se no cargo.

Se se percebe que as coisas não estão bem ou a velhice se aproxima, bobagem! Quantos dinossauros estão em atividade! A aposentadoria é precoce; não compulsória. Mas, antes de pendurar as chuteiras, é hora de pensar em um descendente que possua o sobrenome famoso atrelado a uma oligarquia. Normalmente, um filho, mas pode ser um neto, um sobrinho ou mesmo a esposa. Condição “sine qua non”, é ter o sobrenome; o prenome pouco importa.

Se os detratores de plantão falarem em clientelismo, casuísmo ou continuísmo, recomenda-se não dá ouvidos. Afinal de contas, estamos no melhor lugar do mundo, a terra de Macunaíma!

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