Ailton Salviano (Publicado em O Jornal de Hoje, edição de 14.05.2009)

Há quatro ou cinco décadas quando se falava sobre a miséria brasileira nos países ditos desenvolvidos, ouvia-se quase sempre, uma estranha explicação – uma das causas dessa miséria é a corrupção. Diante daquela justificativa, me sentia incrédulo. Não era possível que houvesse tanta malversação ou dilapidação do dinheiro público. Naquela época, era difícil comprovar aquela proposição.

Antes da difusão dos meios de comunicação de massa, as notícias que vazavam para o povo sobre corrupção de políticos eram tímidas e mais pareciam lendas urbanas que fatos verídicos. Eram tempos de murmúrios tímidos que diziam respeito ou suspeitavam de alguns parlamentares que amealharam grandes patrimônios. Entre o povo, era muito comum ouvir-se de quem não desejava se comprometer: “O político fulano é muito rico, nasceu em berço de ouro, não precisa roubar!”

Reações a atos corruptos eram tão raras que algumas delas tornaram-se históricas. Ainda na Primeira República, o jornalista Ruy Barbosa chocou a sociedade ao denunciar o presidente Deodoro da Fonseca, da malversação de dinheiro do Banco do Brasil em favor de uma determinada redação. Se nos dias atuais temos fotos, filmagens, gravações sonoras de ações corruptas e, mesmo assim, o povo dificilmente se manifesta, imaginem nos velhos tempos quando as comunicações eram limitadíssimas.

Com o avanço tecnológico e dos meios de comunicação, o que parecia improvável e eternamente disfarçado pela insensatez e desonestidade dos homens públicos começou a emergir. Os velhos métodos de desviar os recursos públicos, a improbidade administrativa, a prevaricação, começaram fazer parte de forma intensiva dos noticiários da mídia. Não obstante, os corruptos não pararam de atuar. E o fazem descaradamente. Comportam-se como se possuíssem o Anel de Giges.

No passado, os corruptos aproveitavam-se da comunicação incipiente; hoje, certamente, da impunidade. Diante disso, a cultura da corrupção disseminou-se no nosso país e tem atingido níveis inimagináveis. Infiltrado em todos os aspectos da vida pública, esse mau costume ou mal endêmico tornou impraticável a realização de negócios oficiais sem a presença da propina, do suborno, da gorjeta espúria.

Apesar de, ultimamente, todas as artimanhas arquitetadas por corruptos tenham chegado ao público com detalhes, eles continuam a atuar e a conceber novas formas. Mesmo flagrados, negam tudo. A verdade é que os últimos anos foram fecundos em corrupção ativa e passiva. E enquanto cresce o custo dos negócios com a ciranda indecorosa da corrupção, a sociedade presencia inerte e indefesa, a diminuição ou a ausência dos serviços e dos bens que lhes seriam legalmente disponíveis. Aí inclusos a saúde, a educação e a segurança.

Esse é o resultado de ações aparentemente inofensivas à sociedade como um todo, que começa na propina paga a um simples funcionário público para a liberação de algo e excepcionalmente, chega às barras dos tribunais com a compra de sentenças. Os organismos internacionais que estudam essa chaga social, associam-na a regimes totalitários ou ditatoriais. No Brasil, como uma triste exceção, a corrupção campeia num ambiente considerado democrático.

Enquanto alguns corruptos fiscalizam e julgam outros tantos corruptos, as probabilidades de mudança desse status quo são mínimas. Isto me convence cada vez mais que entre os principais responsáveis pela violência urbana, as injustiças sociais e a dilaceração da família e da sociedade estão os que corrompem e aqueles que se deixam corromper.

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