Publicado em O Jornal de Hoje (22.08.2009)

Quem originalmente concebeu o projeto nos moldes do Bolsa Família não soube tirar-lhe o grande retorno que esse programa assistencialista predispõe. Na atual conjuntura, bastou propagar as suas pseudo-benesses e esta sinecura poderá tornar-se o maior cabo eleitoral da história desse país. Para seus beneficiários, pouco importa que haja atos secretos no senado, dedo sujo de senador, nomeação clandestina de parentes ou usurpação da Petrobrás. Como bem disse Fernando Rodrigues, cronista de A Folha de SP, “Num país miserável, não é surpresa a barriga vir na frente da ética e da moral”.

Não se trata aqui de inferências ou projeções, é a mais cristalina realidade. E tem mais: um chavão apelativo poderá pesar muito nas campanhas eleitorais de 2010: “Se fulano ganhar as eleições, vai acabar com o Bolsa Família!” e aí, como diz o matuto, a desgraça estará feita. Ninguém de bom senso que está nessa mamata, quer perder essa boquinha mensal. Todo mês, pouco ou muito, está lá. Não precisa compensar com nada. O único trabalho é entrar na fila para receber.

Isto sem falar nas fraudes e falhas na concessão do benefício. Recentes denúncias levaram a criação de um sistema de monitoramento. Há milhares de casos considerados suspeitos pelo Tribunal de Contas da União. Para ser mais preciso, segundo a Agência Brasil (20.08.09), essa suspeição atinge nada menos que 835 mil famílias. Há inclusive casos de pessoas que foram eleitas para cargos públicos e permanecem no programa.

Quero enfatizar que não sou contra solucionar o problema da miséria no Brasil. Sou contra, porém, a maneira, o modo enganador e demagógico como se tenta fazer. Não consigo perceber como uma pessoa sadia que recebe mensalmente uma esmola poderá alcançar “inclusão social” como promete o programa. Aliás, no projeto há muitas expressões de efeito, como “pobreza extrema”, “conquista da cidadania”, “segurança alimentar e nutricional” e “transferência de renda”.

Em 1953, o compositor pernambucano Zé Dantas, diante das migalhas que os miseráveis nordestinos recebiam como esmolas, criou uma canção antológica que o seu parceiro Luiz Gonzaga, com sua voz rouca e característica, eternizou. Trata-se de “Vozes da Seca” que em uma das suas belas estrofes enuncia: “Mas doutô uma esmola, a um homem qui é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”. No caso do Bolsa Família, a vergonha passou distante e o vício se implantou e virou dependência.

Há ainda aquela tão conhecida máxima que pode ser aqui aplicada: “uma coisa é dar o peixe, outra coisa é ensinar a pescar.” No seu sentido conotativo, aqui ensinar a pescar seria fomentar a educação em todos os níveis, implantar uma reforma agrária justa e apolítica, incentivar e assistir tecnicamente a agricultura familiar, revigorar uma política de criação de empregos, diminuir a burocracia e os juros para pequenos projetos familiares. E por aí vai. Nessas ações, perfeitamente factíveis, eu acredito!

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