Ailton Salviano
Publicado em O Jornal de Hoje (22.03.2008)

Existe um velho clichê que muitos brasileiros conhecem: “o bolso é a parte mais sensível do corpo humano”. Esse tropo funciona para diferentes propósitos e tem sentido amplo. Usa-se indiferentemente para colher frutos, causar o mal ou impingir algum castigo. Em todos os casos, o dinheiro está envolvido. Uma gorjeta exagerada ou um inexplicável aumento de salário funcionam na direção contrária de uma severa multa ou a supressão de um abono.

Afetar o bolso é como lesionar uma parte física do corpo. Na maioria das vezes, a mudança no comportamento das pessoas atingidas é imediata e notória. Embora o uso dessa máxima seja interpretado por muitos, apenas no desejo de ferir alguém; a prática demonstra também a sua eficácia para conseguir-se algo, mesmo quando isso passa por cima da lei ou dos bons costumes. Em última análise, é o cerne de todas as formas de corrupção.

Na área esportiva, principalmente no futebol, é muito comum um atleta ser multado em percentuais do seu salário quando comete algum tipo de infração. Os diretores que defendem esse procedimento acreditam que, apenas dessa forma, poderão mudar os maus hábitos do atleta. Por outro lado, promete-se uma polpuda gorjeta que no jargão desportivo se conhece por “bicho” quando se quer empenho máximo do atleta na busca de uma grande vitória.

Certa vez, participei com a minha família de um churrasco em um clube campestre. O evento era promovido pela empresa onde eu trabalhava. Quando cheguei, fui convidado por um funcionário do segundo escalão para sentar-se com ele à mesma mesa. Estranhei quando percebi que o garçom nos servia as mais suculentas peças do churrasco em detrimento a alguns diretores da empresa que estavam nas proximidades. Éramos também agraciados com as cervejas mais geladas e sempre com prioridade.

Indaguei ao colega por que o garçom assim se comportava. Ora, respondeu ele, logo cedo quando aqui cheguei, “molhei a mão” dele com 50 pratas. O bolso do garçom, nesse caso, foi matreiramente tocado e isso fê-lo ignorar as presenças de vários diretores, inclusive o presidente da empresa que na ordem natural das coisas, teria a preferência de ser servido.

Na política, a sensibilidade do bolso é utilizada de forma espúria por políticos inescrupulosos que afrontam a Legislação Eleitoral para atingir seus objetivos. Têm ainda a seu favor, a diferença dessa propriedade que varia de bolso para bolso. Nesse caso, a maioria é bastante sensível e transige com pequenas cifras. Outros são afetados apenas com grandes valores e excepcionalmente, alguns podem apelar para a cueca quando acham o bolso pequeno.

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