A ARTE DE SER POBRE
Ailton Salviano
Analisando-se a vastíssima bibliografia da auto-ajuda, percebe-se sem grande esforço, um segmento de incontáveis livros que ensinam as mais diversas formas e caminhos para o bem-estar, o sucesso e a riqueza. Viver rico, excluindo alguns problemas inerentes à classe, não chega a ser tão difícil nem se faz necessário, qualquer artifício ou ginástica, para suplantar o dia a dia.
Artista, sob todos os aspectos, é ganhar um salário-mínimo no Brasil e ter que alimen-tar a família, pagar aluguel, comprar material escolar, pagar transporte, comprar remédios e ainda freqüentar a praia ou o estádio de futebol nos finais de semana.
Impressionante é você conversar com um vendedor ambulante de um produto falsifi-cado e ouvir dele que daquela atividade, ele tira o sustento da família, mantém a filhinha de 6 anos na escola e ainda junta alguns trocados para visitar os familiares no interior durante os festejos do Natal. Realizar todas estas tarefas com a alegria de viver, sem nenhuma revolta e sempre encarar com um sorriso as adversidades é, sem dúvida, uma arte.
Na atividade profissional de geólogo de campo, por circunstâncias do trabalho, manti-ve durante mais de três décadas, contato direto com pessoas paupérrimas em quase todos os estados brasileiros, a maioria vivendo abaixo do que chamam agora, linha de pobreza. Porém, sob esse parâmetro miserável, havia algo que transcendia todas as teorias sociais que tentassem explicar aquele comportamento humano. Apesar da pobreza, a maioria tinha prazer de viver e uma sincera satisfação em dividir o pouco que dispunha com os circunstantes. Havia entre eles, compreensão e confiança, respeito para com aquela condição social e sempre presente, a espe-rança em dias melhores.
Entre muitas personagens com esse perfil, conheci numa pequena cidade do interior do Ceará, o casal Zequinha e Rosa. Ele, agricultor, analfabeto, havia sido contratado temporaria-mente por nossa equipe de prospecção mineral, para abrir picadas e trincheiras com uma diária de 10 reais. Rosa era professora leiga do município, ganhava mensalmente, 1/3 do salário mí-nimo para ensinar as primeiras letras a 12 crianças que moravam na redondeza.
Era um ano de seca e aquela atividade para Zequinha, segundo ele, era um presente dos céus. No final do dia, antes do por do sol, eu e toda a equipe nos recolhíamos ao pequeno al-pendre da casa de taipa onde Zequinha morava com a mulher e dois filhos. Chegara a oportu-nidade de se discutir as atividades daquele dia e traçar os planos para o dia seguinte.
Em um início de semana, Rosa me mostrou uma carta procedente da prefeitura, o ór-gão responsável para elaborar a lista de famílias que participariam do bolsão, uma ajuda oficial para as vítimas da seca. A correspondência informava que Rosa tampouco o seu esposo, pode-ria participar do bolsão. Ela por ser “funcionária” municipal; ele por ter um emprego temporário.
A tragicomicidade daquela situação era que o bolsão tinha um valor bem superior ao ínfimo salário que ela recebia da prefeitura e o grande dilema era: “deixar de ensinar para ter direito ao bolsão”. Rosa, segundo as autoridades municipais, estava diante da “versão miserável do acúmulo de cargos ou funções”. Embora o bolsão tivesse a duração apenas de seis meses, o montante deste período era maior que o salário anual de Rosa. Indignada com aquele inusitada situação, a humilde professora tomou uma decisão louvável – optou continuar ensinando! Se-gundo ela própria, aquela era a sua sina!
Esta atitude comovente e exemplar daquela modesta mulher foi lembrada durante mui-to tempo pela equipe de pesquisa. Duas décadas se passaram e infelizmente, pouca coisa mu-dou daquele quadro social. Mudaram apenas alguns políticos e o nome da pretensa ajuda aos miseráveis!
josé jales sobrinho
parabeniso por la iuloblibade del siet.
ablaso
jales