Ailton Salviano

O cidadão brasileiro entra numa sala normalmente de pouco espaço, enfrenta uma lenta fila, entrega uma cópia xerográfica da sua identidade e após 10 a 15 minutos, recebe a mesma cópia com um carimbo, um selo, uma assinatura e os dizeres: “Confere com o original”. Tem mais: paga pelo serviço de alguém privilegiado dizer que ele não falsificou sua própria identidade.

Convenhamos, em pleno século XXI com todos os avanços tecnológicos, quando o homem procura entender os mistérios da mecânica quântica ou da nanotecnologia, ou ainda, decifrar o complexo genoma humano, tal procedimento burocrático é anacrônico, um indiscutível retrocesso histórico.

Habituado com essa esdrúxula cultura de autenticação de documentos, o cidadão brasileiro não recebe nenhuma orientação e desconhece que o Código Civil vigente (Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002) diz em seu artigo 225:

“As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão”.

Para todos os juristas que consultei, este artigo do Código Civil dá um basta na retrógrada exigência de autenticar cópias de documentos. O dispositivo legal prestigia o princípio da verdade documental que considera que a cópia é verídica até prova em contrário. De acordo com este artigo, toda cópia é, por princípio, verdadeira. Algo similar àquela máxima que todo o réu é inocente até que se prove o contrário.

Por total desconhecimento deste preceito legal ou por flagrante descaso com a população, muitos órgãos e repartições públicas e privadas quando exigem cópias de documentos para instruir algum processo, acrescentam instintivamente, a palavra autenticada.

Nos Ofícios de Notas, é muito comum se ver em destaque, cópias (não autenti-cadas) do Diário Oficial do Estado com a tabela de preços para serviços cartoriais. To-davia, ninguém até hoje, expôs o artigo 225 do Código Civil vigente, pelo menos para orientar o nosso espoliado cidadão.

Como se não bastasse o cidadão pagar por algo desnecessário, há alguns dias presenciei algo que me indignou. Um determinado Ofício de Notas de Natal, num flagrante ato de usurpação, está cobrando a autenticação por página. Ou seja, se alguém deseja autenticar a cópia de um contrato de 10 (dez) páginas, terá que pagar 10 vezes R$ 1,90 (hum real e noventa centavos) que teoricamente, seria o valor da autenticação para todo o documento. Isto é um verdadeiro absurdo! Neste caso, a sutil troca do continente pelo conteúdo é mais um golpe para o bolso de um dos maiores pagadores de tributos do mundo.

De quem é a insensatez? A lei existe e está em plena vigência, mas há uma tabela oficial. Há algumas semanas, com uma cópia em mãos do artigo 225 do Código Civil comentado por um conhecido jurista, dirigi-me a uma das agências do Banco do Brasil em Natal para entregar uma cópia de documento que por exigência do banco, deveria ser autenticada. Ao ser indagado pela autenticação, entreguei ao bancário uma cópia (não autenticada) do Artigo 225 com os comentários. Ele leu pausada e atentamente, e em seguida, me respondeu: “Eu não sabia que existia essa Lei!!!” E sem restrições,
concordou em receber a cópia sem a obsoleta autenticação.

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