Ailton Salviano

Sou nordestino, meu nome é João José da Silva (*), mais conhecido por Janjão. Não sei ler nem escrever e abusei da boa vontade da professora da minha cidade para fazer esta carta. Quero me candidatar para ser o segundo astronauta brasileiro. Vi pela televisão numa cidade vizinha, o tenente Pontes viajar e ficar naquele ônibus apertado vagando no espaço. Soube também que é preciso muito treinamento pra fazer essa viagem e realizar algumas tarefas.

Viajar de ônibus é até um luxo pra mim. Aqui no sertão viajar é a pé e quando muito, em lombo de jumento. Outra coisa, plantar feijão sem a tal de gravidade pra mim é moleza. Sou acostumado a plantar feijão até sem água. Todo ano acontece isso. Uma coisa eu garanto, vou estar olhando todo o tempo pra ver se o danado germina e vinga. Posso até contar o tempo – as horas, os minutos e os segundos.

A comida, me disseram que é especial, levinha… nada de muita sustança como buchada, feijoada ou sarapatel. Nessa área sou craque. Se for preciso, posso passar até toda a missão sem comer. Nisso tenho muita experiência.

E para falar com os gringos, não preciso aprender a língua deles. Vi muitas vezes, o nosso astronauta apontando para a bandeira do Brasil e dizer que tudo estava positivo com um pequeno gesto. Logo, me comunicarei somente com gestos e sem falar, acredito que a passagem fica mais em conta. Soube que o nosso governo pagou 10 milhões de dólares para os russos aceitarem o nosso tenente na grande viagem.

A minha proposta é que sem comer, sem beber e sem falar, poderemos ter um grande abatimento nessa passagem e aí, o troco pode ser enviado aqui para a minha cidadezinha e com ele, pagar pra cavar um poço pra gente ter água boa, construir uma pequena barragem, comprar e distribuir sementes pra todo mundo plantar no próximo inverno. Poderemos ainda tapar os buracos da estrada que agora só passa carro de boi, construir um posto e contratar um médico para atender tanta gente doente e aqui pra nós, pagar o salário da professora que está fazendo esta carta e está há três meses sem receber. Isto tudo que estou dizendo foram as promessas que o último político que passou por aqui fez antes das últimas eleições.

Olha, vocês podem até pensar que é brincadeira, mas falo isso de coração. Estou pronto pra tal viagem. Tem mais, a minha experiência é grande em lugar difícil. Vi o treinamento do tenente na TV. Posso correr dias, atrás de bode na caatinga fechada com uma temperatura beirando os quarenta graus. Bebo qualquer tipo de água. Pode ser tirada de raízes ou de miolo de palma. O tenente começou a trabalhar aos 14 anos, eu desde os cinco, labuto. Sou, antes de tudo, um forte e quem disse isso, conforme a professora, foi um cara aí do sul, um tal de Ocrides da Cunha que escreveu sobre os sertões, isso há muito tempo. Ele estava com a razão. Aqui sofremos muito, mas continuamos fortes.

Por fim, já que o tenente Pontes levou para o espaço o chapéu de Santos Dumont, quero levar o chapéu de Lampião que para mim foi o maior macho que apareceu por essas bandas.

Atenciosamente,
João José da Silva (Janjão)

(*) Nome fictício usado apenas para ilustrar a mensagem do autor.

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