DESLIZAMENTO DO SOLO DAS ENCOSTAS
Durante três décadas trabalhei como geólogo. Mesmo assim, raramente escrevo sobre eventos geológicos. Nos últimos cinco anos, tenho me dedicado ao discurso jornalístico. Porém, diante de tantas asneiras e bobagens veiculadas pela mídia, após os desastres naturais em Angra dos Reis (RJ), aliás, não se trata de novidade quando o assunto é Geologia, senti-me na obrigação de tecer alguns comentários técnicos e dar informações sobre aquele acontecimento.
A rigor, não houve nada de excepcional. Mesmo os elevados índices de precipitação pluviométrica, acumulados em um pequeno período, não podem assim ser considerados. Os homens jamais devem esquecer que a Natureza nem sempre obedece às estatísticas. Informações dessa parte da Matemática podem auxiliar os técnicos em seus projetos que lidam com fatores naturais, mas não se deve considerar como infalíveis, os dados estatísticos.
As rochas que os geólogos chamam de cristalinas são as que se originaram diretamente do magma (matéria em fusão do interior da Terra) ou de processos geológicos que atuam sobre rochas pré-existentes submetidas a altas pressões e temperaturas. Essas rochas normalmente são duras, compactas e não contêm poros para acumular água. Apenas as suas fraturas são capazes de reter pequenas quantidades de água.
Pois bem, essas rochas que constituem praticamente todo o “miolo” daquelas montanhas que bordejam o litoral sudeste do país estão submetidas às intempéries características do clima. Com o tempo (e são milhões de anos) as superfícies dessas rochas vão se alterando ou, em linguagem geológica, sofrendo intemperismo. O resultado desse processo é a formação de uma capa ou crosta superficial alterada que constitui os solos.
Esses solos são porosos, têm espessura variável e podem acumular água, mas tem seus limites. Nas encostas, quando a água penetra nesse solo vai até encontrar a rocha dura, não porosa que constitui sua base e sem condições físicas de acumular água. O líquido acompanha essa superfície dura e escoa para a parte baixa dos terrenos (vale) formando assim as chamadas fontes de contato. Porém, com a supersaturação do solo, o deslizamento por ação da gravidade é inexorável.
Com a supersaturação do solo inclinado, a superfície rígida da base funciona como uma espécie de tobogã para a camada de solo que está acima. Obviamente, quanto mais inclinada a encosta, mais fácil será o desmoronamento. No jargão geológico, o processo é conhecido por “solifluxão” e ocorre com bastante frequência. Pena que só tenha destaque quando afeta vidas humanas.
Nos casos extremos de saturação, a cobertura vegetal pode proteger até determinados limites, mas não evita o deslizamento. Tornar a superfície da Terra plana, deslocando material das montanhas para os lugares mais baixos é um processo geológico que acontece há milhões de anos. A natureza nos apresenta inúmeros exemplos desses desmoronamentos pretéritos na base das montanhas, tanto no continente quanto no fundo oceânico.
A situação do sudeste do país é bastante distinta das elevações que bordejam a cidade do Natal. Aqui, os morros (dunas) são formados apenas por areia que têm como base também sedimentos porosos do Grupo Barreiras. A grande porosidade do conjunto impede qualquer tipo de deslizamento por excesso de chuvas. No litoral potiguar, as dunas brancas destituídas de vegetação podem até se mover, mas sob a ação dos ventos e não da chuva.