Ailton Salviano – Publicado em O Jornal de Hoje (08.09.2008)

Esse artigo não é uma apologia ao grampo telefônico. Aliás, o termo grampo, antes de tudo, não me diz respeito a algo para bisbilhotar as pessoas. Faz-me lembrar sim, da minha avó que sempre me perguntava se eu havia visto os seus grampos e a sua marrafa. Eram peças indispensáveis para manter presa a sua vasta cabeleira. Friso era sinônimo de grampo.

Quem diria que meio século mais tarde, essa palavra entraria para o jargão político-policial. Nesse período, o grampo deixou os cabelos em liberdade e tornou-se instrumento danoso para ferir a privacidade das pessoas importantes. A pequena haste que servia originalmente aos propósitos dos espiões, agentes secretos, arapongas e dedos-duros, transformou-se em objeto de astúcia, solércia e malícia política.

O título desse artigo, ao parafrasear Ricardo III, rei da Inglaterra, na obra homônima de Shakespeare, está associado a uma série de episódios políticos atuais com toda trama e conteúdo dramático da peça teatral que envereda pelas intrigas do poder, ao mostrar as ciladas, as bisbilhotices, as traições e conspirações como práticas comuns do jogo político.

Se na obra do bardo britânico destaca-se, com muita freqüência, a decadência de famosos, será que o grampo atual, semelhante ao cavalo de Ricardo III, não estaria se transformando em moeda forte para erguer os fracos? À luz dessa dúvida, agem os transgressores, na certeza que o produto de um grampo poderá ser uma carta guardada na manga para um lance decisivo contra um adversário.

Mas nem sempre o resultado de uma interceptação telefônica é mantido em sigilo. Há, infelizmente, também o desejo nefasto de desmoralizar. Isso se evidencia quando são publicadas conversas íntimas de personagens ligadas ao poder. Nesse burburinho de atrocidades, as vítimas se multiplicam. Ministros, senadores, deputados, governadores, diretores de estatais, ninguém está imune à ação dos grampeadores.

Não faz muito tempo que grampearam o painel eletrônico do Congresso Nacional. Os responsáveis pelo ato voltaram à cena política num exíguo espaço de tempo. Para mascarar a flagrante impunidade, disseram que foram reconduzidos pelo povo. É mais uma prova da citação do sociólogo francês Georges Balandier: “o político não desaparece; muda de forma”.

Shakespeare canalizou para o centro das atenções no teatro, todas as nuanças da tragédia política. Maquiavel foi administrador de conflitos, implacável conselheiro nas adversidades políticas. Certamente esses personagens teriam muito a ensinar e escrever, se vivos fossem nos tempos atuais. A era do grampo telefônico, o pequeno instrumento das crises institucionais.

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