NA ILHA DA FANTASIA
Publicado em O Jornal de Hoje de 10.09.2009
Estou na corte como dizia um velho cronista social ou também na Ilha da Fantasia, como bem disse meu amigo Karl Mesquita em um e-mail hoje cedo. A verdade é que Brasília se engalana para os festejos da independência. Embalada pelo deslumbramento da quimera do pré-sal, que nem o bárbaro assassinato do ex-ministro do TSE conseguiu arrefecer, a cidade vive dias áridos, meteorologicamente falando, neste final de inverno de 2009.
Usadas de forma acintosa como moeda eleitoral, as reservas petrolíferas do pré-sal são dadas como favas contadas. Todos os obstáculos tecnológicos (e não são poucos) para produzir óleo em tamanha profundidade foram colocados em segundo plano. O que se vê e escuta das fontes oficiais são cifras absurdas que abordam exclusivamente o lado positivo. A mídia raramente procura ouvir uma autoridade no assunto para comentar a confiabilidade desses valores, os materiais que vão ser usados na perfuração ou os percalços da distância do local de produção para costa.
Política à parte, tenho olhado a cidade com olhar curioso como soe acontecer com sexagenários. Ontem, em plena asa-norte, na azáfama do trânsito, vislumbrei um joão-de-barro, que alheio a tudo e a todos, dava os últimos retoques na sua casa no alto de um poste. Mais adiante, os automóveis foram obrigados a parar para dar passagem ao cortejo do Presidente da República. Motocicletas e automóveis oficiais com seus piscas-piscas ligados. Quem te viu e quem te vê!
De repente, uma cena me chama a atenção. Uma família humilde assentou acampamento em um dos amplos gramados nas proximidades do setor das embaixadas. Como na romântica canção de Orestes Barbosa, “roupas comuns dependuradas, pareciam um estranho festival”. O local não poderia ser mais impróprio. Aquele cenário é visto diariamente por embaixadores de todo o mundo. Mas, o que fazer? Ninguém pode fugir da realidade do país!
Enquanto o governo veicula orgulhosa e ostensivamente o novo valor do salário-mínimo de 506 reais, os ministros do Supremo Tribunal Federal, após a absolvição de Palocci, desejam ganhar 27 mil, novecentos e cinquenta e dois reais por mês, ou seja, 55 vezes o valor do salário-mínimo. Trata-se de um aumento de 14,09% e uma elevação de gasto anual de 372,35 milhões de reais. Provavelmente, é este o tipo que a Justiça entende como transferência de renda.
Outras reivindicações assim poderão surgir, como reflexo do entusiasmo precoce do governo em relação ao pré-sal. Os governos estaduais, nos últimos dias, se digladiam para conseguir um quinhão da riqueza que se encontra além do fundo mar e que levará alguns anos para tornar-se realidade. Enquanto isso, prevalece a arriscada ideia: gaste que o pré-sal garante!