Ailton Salviano

Em 1966, lembro-me bem, a nossa República de Estudantes no Recife comportava dois alunos do Curso de Geologia e três de Engenharia Mecânica. Certa noite, ao passar pelo birô de estudos de um colega de engenharia, percebi que ele folheiava uma revista americana de mecânica dos anos 50. Surpreso, perguntei-lhe:
– Estas máquinas devem estar superadas, não?
– Que nada, respondeu o colega. Muitas delas ainda nem chegaram aqui!!!

O diálogo pareceu banal, mas comprovava a defasagem de conhecimentos técnicos existente entre o Brasil e as grandes potências mundiais, principalmente os Estados Unidos. Soube, posteriormente, que as consultas de alunos do curso de mecânica da velha Escola de Engenharia da Universidade do Recife (atual Universidade Federal de Pernambuco) eram feitas em catálogos e revistas editadas há 10, 15 e 20 anos em países mais adiantados. Essa atitude não se tratava de rever o passado mas de ver, sentir, conhecer as grandes novidades da mecânica.

Um repasse na história das grandes descobertas dos últimos 150 anos, pode demonstrar esta defasagem não somente em mecânica, mas em toda a área tecnológica. Vejamos alguns exemplos

1. Estrada de Ferro – A primeira foi inaugurada na Inglaterra por volta de 1825 (Stockton a Darlington). No Brasil, chegou somente em 1854 (29 anos depois) graças ao empreendedorismo de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá que pensava um pouco à frente do seu tempo.

2. Metrô – A primeira linha subterrânea foi inaugurada também na Inglaterra em 1890. Antes, havia um metro de superfície. Para nós, o metrô chegou 84 anos depois, em 1974, na cidade de São Paulo;

3. Poço de Petróleo – O poço pioneiro foi perfurado na Pensilvânia nos Estados Unidos em 1859. No Brasil, a História cita um poço perfurado em São Paulo (região de Bofete) em 1897, pelo fazendeiro Eugênio Ferreira de Camargo que retirou do poço apenas 2 barris de óleo. Mas em termos comerciais, foi na Bahia no município de Lobato em 1941 que se encontrou petróleo, através do engenheiro Manoel Inácio Bastos (Maneco). A Petrobrás foi fundada apenas em 1953, quase um século após a primeira perfuração do poço da Pensilvânia.

4. Televisão – Embora nos anos 20, se transmitisse contornos de objetos à distância, a televisão somente em 1935, foi oficialmente inaugurada na Alemanha (março) e na França (novembro). Em 1936, entrou no ar na Inglaterra, a estação oficial da BBC. Na Rússia, a TV chegou em 1938 e nos Estados Unidos, a partir de 1939 com a NBC. Se bem que no Brasil, tenha havido transmissões experimentais em circuito fechado – 1939 na Feira de Amostras Internacional do Rio de Janeiro e 1949 no Congresso Eucarístico de Juiz de Fora – oficialmente, a TV entrou no ar no Brasil em setembro de 1950 com a TV-Tupi de São Paulo, Canal 3, ou seja, 15 anos após as primeiras transmissões na Europa. Quanto à televisão em cores, as transmissões regulares foram iniciadas nos Estados Unidos em 1954, conquanto desde 1951 já existissem experimentos nessa área. No Brasil, chegou somente em março de 1972.

E assim, poderíamos citar uma interminável série de descobertas e lançamentos tecnológicos que sempre ficaram à nossa disposição muitos anos depois. O próprio leitor poderá confrontar as datas seguintes e tirar as suas conclusões sobre o nosso atraso: o forno de micro-ondas existe desde 1953; o CD foi lançado no mercado pela Philips em 1982; a transmissão de TV via satélite existe desde 1962; o videotape como as gravações em estéreo, já existiam em 1950 quando foi inaugurada a TV no Brasil; as lâmpadas fluorescentes foram comercializadas a partir de 1935 e o ar condicio-nado existe desde 1901.

Em termos de conquista do espaço, estamos anos-luz aquém das grande potências. Enquanto o primeiro vôo espacial foi realizado cm sucesso em 1961, quarenta e dois anos depois, a nossa base de lançamento de satélites incendiou-se após dois malogrados lançamentos em 1997 e 1999 do VLS-1, carro chefe do nosso Programa Espacial.

O advento da globalização diminuiu essa defasagem mas, apenas em termos de comunicação. Hoje, pela mais avançada mídia, tomamos conhecimento das últimas novidades tecnológicas, porém o seu uso e domínio ainda nos chegam com apreciável retardo.