O BEM ESTÁ MORRENDO?
Ailton Salviano – Publicado em O Jornal de Hoje (14.07.2009)
Fui criado em um ambiente onde era comum ouvir-se dos mais velhos: “faze o bem, não olhes a quem”. Mas, os tempos mudaram nessas últimas cinco décadas. Galgamos um novo século, a sociedade sofreu profundas transformações, os valores são outros. As ações humanas imbuídas de generosidade, moral, bondade, austeridade, virtude e favor, tão comuns naquela época, hoje, tornaram-se raríssimas exceções.
Há quem preconize ser impossível viver na sociedade atual praticando o bem. Normalmente, as pessoas encaram com desconfiança quando recebem uma ação benéfica. Como essas ações são a cada dia mais raras, as pessoas prejulgam e quase sempre associam um boa ação a uma mera troca de favores. Para a maioria, ninguém faz nada por e para ninguém sem visar um retorno.
Esse comportamento humano parece ser o reflexo de um século prenhe de acontecimentos políticos, sociais e religiosos que desiludiram a sociedade. Sem dúvida, foi o próprio homem quem originou este status de desconfiança. Se no início do século passado, havia uma grande expectativa de mudança para melhor, no final daquela centúria, a humanidade havia passado por duas terríveis guerras mundiais, vários genocídios e uma série de desilusões políticas. Muitas promessas não passaram de falsas ilusões.
O altruísmo das pessoas e a confiança entre elas, comuns no limiar do século XX, foram paulatinamente dando lugar a um exacerbado egoísmo e uma desconfiança crescente que persistem até os dias de hoje. A ausência de boas ações ou a falta de generosidade chegou a um ponto que o simples e honesto ato de devolver ao dono uma bolsa com dinheiro perdida tornar-se fato inusitado com destaque nacional nos jornais da TV.
A sociedade moderna convive em regime permanente de embuste. Isto gerou a máxima: “Não dá para acreditar em ninguém”. As pessoas além de enganadas ainda sofrem maldades em todas as esferas sociais. Até mesmo os mais evidentes preceitos legais são infringidos e para prevalece-los há necessidade de constituir-se alguém. Na mesma trilha ardilosa de enganar a sociedade estão desde os gestores públicos aos agentes privados.
Mas, apesar dessa floresta de maldades, um infinitésimo da população ainda pode praticar o bem. È como aquela história do beija-flor que tenta apagar o incêndio na mata. Esta semana, a ação simples de um taxista chamou a atenção da minha família. Minha filha, ao dirigir-se para a Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro onde estuda, esqueceu seu telefone celular em um táxi. Mais que o valor do aparelho, havia os telefones de familiares, professores e orientadores.
Horas depois ao perceber a perda, num clima de desesperança, ligou para o seu celular de um telefone de uma amiga. O taxista, informado do ocorrido, pediu o endereço e devolveu na manhã seguinte o telefone sem ter efetuado qualquer ligação! Enquanto isso, aqui em Natal numa seção de certa unidade hospitalar onde havia apenas profissionais da casa, uma terapeuta amiga esqueceu por alguns minutos seu celular em uma das mesas, retornou em seguida, jamais o encontrou. A ubiqüidade do mal é indiscutível!