Acabei de ler os três jornais matutinos da cidade. Li tudo; notas, notícias, reportagens, editoriais, artigos, anúncios e colunas. A ansiedade levou-me até o expediente. Não encontrei o que procurava. Recomecei a leitura. Agora com olhar de Argos. Continuei a desesperada ânsia da busca. Nada; nenhum sinal, nenhum traço da sua presença. Esmerei ainda mais a minha agudeza de observação; despertei a minha acuidade visual, como nos velhos tempos de geólogo, quando procurava alguma pedra preciosa ou um mineral raro entre um monte de cascalho. Busca debalde!

Meu Deus, baniram os ponto-e-vírgulas! Será que terei sempre de recorrer às obras literárias antigas ou aos documentos históricos para ampliar o meu acervo? Evoco o pri-meiro documento pátrio – a carta de Caminha – e lá, quando ainda havia abundância de ponto-e-vírgulas na natureza das letras, encontro sem muito procurar, os pioneiros desse sinal gráfico escritos em nosso país:

“Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!”

Mas nesses tempos modernos, será que a azáfama e o popular corre-corre, verdadeiros inimigos de todos os tipos de pausa, tentam banir o ponto-e-vírgula? Onde estarão os defensores da ecologia lingüística? Emudeceram? Poetas, escritores, gramáticos, jornalistas, literatos, pedagogos esqueçais os barbarismos, os solecismos, os preciosismos, os vulgarismos, os estrangeirismos. Invoco pelo ponto-e-vírgula! O que lhe fizerdes? Esgotaram-se vossas coleções? Usardes em demasia ou tendes ojeriza à pequena pausa? Não, não me refiro à menopausa; digo da pausa maior que a vírgula e menor que o ponto. Lembrai-vos do corriqueiro chavão – sabendo usar não vai faltar!

Que houve com essa tradicional pontuação? Estará incluída em algum grupo gráfico em extinção? Não; não é possível! Sei bem que o trema, com freqüência, sofre perseguições. Hoje, possui muito menos exemplos vivos. Há tempos tentam extingui-lo, mesmo em exeqüendo, resiste tranqüila e heroicamente, porém está com os dias contados. Mas o nosso ponto-e-vírgula, apesar de rejeitado por muitos, não pode nem deve ser extinto. O que farão as orações adversativas quando desejarem separar-se pela introdução de um “mas”, um “contudo” ou um “todavia”? E as conclusivas, com o seu pragmatismo, quando desejarem explicitar ou subtender uma conjunção?

E os nossos legisladores? A que expediente recorrerão para separar os considerandos, os incisos e os itens dos decretos e das leis? Argutos que são, provavelmente encontrarão uma saída astuta: um caixa dois gramatical. Ou mesmo, podem usar o famigerado artifício do superfaturamento. Coloca-se o “ponto-e-vírgula” no orçamento (mais raro e desta forma, mais caro) e usa-se o “ponto” bem mais econômico (tem apenas um sinal gráfico). Quanto aos membros de uma enumeração, os escrevinhadores dispensaram, por pura ignorância, o ponto-e-vírgula há muito tempo; quase ninguém percebeu ou deu importância.

Mas, de repente. Heureca! Ganhei o dia! Nesta edição de jornal do final de semana, encontrei um único e valiosíssimo exemplar de ponto-e-vírgula. Ele sobrevive! Mas, pasmem, estava na frase de um leitor que tece elogios ao jornal e fora transcrito por algum editor, certamente um raro admirador do ponto-e-vírgula. Não obstante as dificuldades, vou continuar as minhas buscas diárias. Espero que este artigo desperte entre os meus poucos e diletos leitores, o interesse pelo uso adequado do ponto-e-vírgula. Mas, não exagere; use-o segundo a norma e com moderação! Em caso de dúvidas, procure uma boa gramática.

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