Ailton Salviano (Publicado em O Jornal de Hoje – 26.08.2008)

A aprovação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de uma súmula vinculante que proíbe o nepotismo nos três poderes, fez-me lembrar de algumas asserções do livro Raízes do Brasil, escrito há 72 anos pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda. No quinto capítulo, “Homem Cordial”, algumas passagens antológicas deveriam constar do código de ética das autoridades dos três poderes.

O Estado, dizia Buarque, não é uma ampliação do círculo familiar. E mais adiante: “Não existe entre o círculo familiar e o Estado uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição”. Foi na tragédia grega de Sófocles que Buarque foi buscar um exemplo clássico quando citou o sepultamento de Polinice por Antígona, um ato que implicitamente representa a transgressão da vontade pessoal contra as ordens do Estado.

No raciocínio do historiador se não existir “triunfo do geral sobre o particular, o intelectual sobre o material ou do abstrato sobre o corpóreo” não pode surgir o Estado, onde o “indivíduo se faz cidadão, contribuinte, eleitor, elegível, recrutável e responsável ante as leis”. Mas, é do comportamento contrário a essas assertivas, ou seja, da indistinção entre o Estado e a família que surge entre outras inconveniências, o reprovável nepotismo.

Nos tempos atuais, exemplos dessa prática grassam em todos os setores da nação. Essa excrescência, que floresceu na administração eclesiástica, migrou para a atividade pública e tem-se aperfeiçoado nas entranhas dos três poderes. A sua última versão é o nepotismo cruzado. A troca de favores entre chefes, na admissão sem concurso de parentes próximos ao serviço público, tem a tácita intenção de burlar a vigilância de algum corregedor.

Há alguns meses, com algumas medidas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ousou cutucar o monstro do nepotismo. Isso provocou uma esperada azáfama nos meios infectados por esse mal. Aqui no RN, foi criado, em tempo recorde, um discutível dispositivo legal para amenizar tais medidas. Agora, o Supremo Tribunal Federal ao aprovar e editar a 13ª. Súmula torna definitivamente inconstitucional, a prática do nepotismo.

A sociedade brasileira espera ter chegado ao fim, a época em que alguém podia assumir os melhores cargos no serviço público por meio apenas de laços consangüíneos. O STF somente reforçou um preceito constitucional e após isso, as nomeações de parentes até o terceiro grau para exercer cargo em comissão ou de confiança na administração pública, direta ou indireta em todos os poderes, seja na União, nos Estados, Distrito Federal e nos municípios, violam frontalmente a Constituição.

Resta-nos aguardar que o Ministério Público na sua independência funcional esteja vigilante e leve ao conhecimento e análise do STF todos os supostos casos de descumprimento a esse princípio constitucional.

  1. Maria das Graças Pinto Coelho

    Caro Ailton, o artigo está muito conciso, bem escrito e você usa a fonte certa. Me orgulha,particularmente o uso do Sérgio Buarque como fonte porque sei que fui eu, a sua professora de Cultura, quem lhe despertou para o “Homem Cordial” do Sérgio. Um forte abraço, Graça.

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