Ailton Salviano – Publicado em O Jornal de Hoje (13.10.2008)

Desde a emenda da reeleição em 1997, ou seja, a lei que permitiu que chefes dos executivos federal, estadual e municipal pudessem concorrer a um segundo mandato consecutivo, os índices de recondução têm aumentado. Nas primeiras eleições que foram aplicadas essa emenda (2000 e 2004), mais da metade dos candidatos do Executivo que concorreram à reeleição obteve êxito.

Nas eleições de 5 de outubro último, ainda sem contar com as disputas do segundo turno, os índices de prefeitos reeleitos aproximam-se de 70%. Segundo dados fornecidos pela Confederação Nacional de Municípios, o Estado do Ceará foi o recordista da recondução de prefeitos. O índice atingiu 75%. Porém, este não é atributo exclusivo de um Estado nordestino. O Estado de São Paulo reconduziu 72,4% dos seus prefeitos.

Será que a situação dos municípios brasileiros é tão boa que de dez prefeitos candidatos, sete são reconduzidos ao poder? Será que a administração das cidades brasileiras agrada tanto a população? Certamente, há fatores obscuros que podem explicar esses elevados índices de aprovação refletidos no voto. O que se vê nas cidades brasileiras não justifica essas altíssimas taxas de recondução.

À luz desses dados, não precisa ser um “expert” em política para concluir a influência da máquina administrativa que dispõem os governantes para convencer eleitores. São milhares de detentores de cargos comissionados que entram nessa disputa pró-governante. Claro, ninguém quer perder a boquinha. Quanto àqueles que ousam desafiar os chefes do executivo, exercem o mesmo papel do Cavaleiro da Triste Figura, da obra de Cervantes.

Para o filósofo francês Comte-Sponville, professor doutor da Sorbonne, “a política é como o mar; não pára de recomeçar”. Isto supõe governo e mudanças de governo. Se não há mudanças, não há política. O eleitor ao reconduzir um prefeito, um governador ou um presidente ao seu cargo deveria fazer um mínimo exame de consciência. As promessas de campanha foram cumpridas? O município, o estado ou o país passou por alguma transformação positiva, na saúde, na segurança, na educação?

Há, por incrível que pareça, quem justifique esses altos índices de reeleição associando-os a boas gestões. Mas, os horizontes parecem sombrios para esses gestores que assumirão o poder no início do próximo ano. Embora os economistas ainda não tenham dimensionado os efeitos reais da atual crise econômica mundial, são grandes as probabilidades de queda na arrecadação. A previsão orçamentária dos municípios estimada em 240 bilhões de reais dificilmente será alcançada.

Agora, mais que em oportunidades anteriores, os prefeitos recém-eleitos deverão provar ter capacidade para gerir os bens públicos em período de dificuldades e dinheiro curto. Esta será uma verdadeira prova de fogo e poderá comprovar se realmente essa forte convicção dos eleitores tem fundamento.

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