Ailton Salviano

Ah! Como um simples “s” faz diferença!
Muito gostaria de escrever a palavra “bens” no singular, referir-me às qualidades virtude, austeridade, sensatez, no entanto sou obrigado pelas circunstâncias, a apelar para a paráfrase. Há algum tempo, a mídia brasileira estampou aos olhos da nação, as declarações de bens dos políticos que iriam disputar um cargo eletivo no último pleito. Não se tratava de uma inconveniente incursão à privacidade alheia, apenas tornou-se público o que os candidatos apresentaram à Justiça Eleitoral cumprindo dispositivo da legislação. Obviamente, não faltaram as comparações, as curiosidades relativas ou as dúvidas quanto ao crescimento repentino dos dotes de alguns.

Apesar dos róis de patrimônio terem seus valores visivelmente subdimensionados e noutros casos, o candidato incompreensivelmente não ter sequer um centavo na conta bancária, a maior parte estarrece pela sua magnitude. Nesses tempos em que os índices de desemprego ultrapassam dois dígitos, para os incautos, a relação de bens dos políticos torna-se um autêntico chamariz ou uma incontrolável tentação para entrar-se na política.

Será essa atividade uma infalível fonte de adquirir patrimônio? Pelo menos no Brasil, à luz fria dos números, a resposta é positiva. É público e notório que a classe política tem incontáveis privilégios a expensas do erário. Tais prerrogativas ou regalias estão muito além das aspirações normais do profissional bem sucedido em qualquer área.

Quando criança, ouvi muito no dizer dos mais velhos: “há três maneiras de ser rico: nascer rico, ganhar um grande prêmio na loteria ou casar com uma pessoa milioná-ria”. Naquela época, ninguém se lembrou de acrescentar: “ou entrar na política”. Os tempos são outros e naturalmente, existem na atualidade, muitas maneiras honestas de amealharem-se fortunas.
Claro que apesar de tudo, necessitamos da política para que nossos conflitos de interesse sejam resolvidos sem ter que recorrer à violência.

Precisamos enfim de um Estado constituído, como diz o moderno pensador francês Sponville, não porque os homens sejam bons ou justos, mas porque não o são. A política supõe discordância, conflito, contradição. Às vezes, somos obrigados a obedecer a um déspota (numa ditadura), a uma classe social (numa aristocracia) ou às imposições do próprio povo (numa democracia). Tudo isso pela necessidade de um poder estabelecido. Sem esse poder, não haveria política.

Muito já se falou e se escreveu sobre essa arte-ciência. Como seria interessante se as velhas raposas fizessem uma reciclagem nesse aspecto e seus pretendentes e neófitos, que se consideram donos da verdade, pudessem ler, mesmo de relance, o que uma plêiade de pensadores escreveu sobre essa atividade ao longo da história dos povos.

Não é tão difícil encontrar essas obras como nos velhos tempos. Nos dias atuais, elas estão disponíveis na maioria das bancas de revistas e a preços bem acessíveis. São nomes como Platão, Aristóteles, Maquiavel, Montaigne, Hobbes, Pascal, Spinoza, Montesqui-eu, Rousseau, Tocqueville, Marx, Webber, Camus para citar apenas alguns. Há conceitos para todos os gostos, doutrinas e ideologias. Nenhum deles porém, defende o direito de locupletar-se através da política ou de ficar retraído à margem dos acontecimentos para tratar apenas dos seus assuntos pessoais. Isto, verdadeiramente, não é política!

  1. Realmente, política no Brasil transformou-se na maneira mais fácil de enriquecer. Não é em vão que muitos candidatos gastam nas campanhas muitas vezes o valor de todos os seus salários durante o mandato. O que é um contra-senso.
    Parabéns,
    Julio Santos

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