POR QUE NÃO DIVIDIR?
Ailton Salviano
Numa ensolarada manhã de primavera em Lisboa, eu caminhava ao longo da Avenida Almirante Reis na direção do Rossio quando de repente, escuto alguém dizer alto e bom tom: “Tricolor das Laranjeiras”. A tradicional camisa tricolor do Fluminense que eu vestia despertara a atenção de um transeunte.
– Olá, respondi. Brasileiro?
– Sim, do interior do Paraná.
– Torcedor também do Pó-de-arroz?
– Não, sou Vascão da Gama.
– E o que fazes por aqui?
– Estou batalhando um emprego.
A conversa durou cerca de 15 minutos. O moço, aparentando uns 30 anos, me disse que trabalhava com pintura de casas, mas diante das últimas dificuldades estava encarando qualquer proposta na construção civil. Perguntei-lhe então se não desejava voltar para o Brasil. A resposta foi ríspida: “Prefiro ficar aqui com toda essa dificuldade, mas não faço planos de voltar”.
– Olha, complementou, aqui a gente trabalha e recebe um salário de respeito. Dá até para juntar uma graninha para atravessar esses momentos difíceis.
– E quanto você ganha?
– Bem, aqui eles pagam até 10 euros por hora.
Após desejar-lhe boa sorte, nos despedimos e seguimos em sentidos opostos. Mas voltando ao valor daquela hora de serviço, vale a pena uma pequena reflexão. Numa jornada de oito horas, o pintor fatura 80 euros. Em reais, são aproximadamente 216 (duzentos e dezesseis). Em outras palavras, em dois dias de trabalho o pintor fatura (512 reais), mais que o salário mínimo mensal no Brasil. Tive outros encontros semelhantes com brasileiros que trabalham na Europa e todos satisfeitos com os salários que recebem.
Mas, Europa é outra economia e não se pode comparar, dirão alguns defensores do nosso sistema. Sim, é verdade! Não se pode confrontar a economia brasileira com a européia. Há inúmeros parâmetros econômicos complicadores que não me atrevo analisar. Mas, usando do senso comum, posso dizer que no nosso país, perdura há séculos, o hábito de pagar-se mal ao trabalhador. Tal hábito tornou-se uma instituição nacional. Aqui, a mesma pechincha que se usa para comprar um objeto, também é usada para contratar-se um serviço. Esse costume embora seja característico na iniciativa privada, estendeu-se também ao serviço público.
Alguém já analisou os salários de um professor (de qualquer nível) ou de um policial? São vergonhosos, indignos e se você compara com os de outros países tornam-se deprimentes. Para chefiar uma coordenação em uma universidade federal, o titular recebe um adicional insignificante.
Porém, na outra ponta dos absurdos, estão certos servidores privilegiados que chegam a perceber 70 salários mínimos de proventos e estão querendo aumento. Esses só conhecem duas operações: somar e multiplicar. Subtrair e dividir, jamais!
É difícil aceitar argumentos convincentes para justificar salários tão elevados pagos com o dinheiro público de um país de miseráveis. Não sou socialista de carteirinha, porém não me sentiria confortável, receber da nação, provento tão diferenciado (para mais), sabendo que ao meu redor há 50 milhões de brasileiros que não têm acesso à água tratada ou ao saneamento básico e estão abaixo da linha de pobreza.
Aliás, essa expressão “abaixo da linha de pobreza” é um triste eufemismo para camuflar ou disfarçar a verdadeira e autêntica miséria.
Alan E. Wootton
Concordo plenamente com o exposto acima, porém não vejo a solução. A proposta de “Porque não dividir?” tinha que ter mais explicações, como: como, quando, etc. Abraços – Alan