Publicado em O Jornal de Hoje (15 OUT 2009)

Em uma das plataformas do metrô de Paris, Jales, um potiguar nascido no município de São José de Mipibu (RN), sem saber que aquele sistema fora implantado em julho de 1900, admirado, comenta: “Que negócio espetacular! A cidade parece toda perfurada no subsolo, mas o transporte aqui funciona mesmo e dentro do horário.” A admiração de Jales não se limitou à Cidade Luz. Ele percebeu que o transporte público tem a mesma eficácia em Lisboa, Madri, Berlim e outras cidades européias.

Quando se fala em transporte público aqui no Brasil, o tema parece não despertar muito interesse entre os políticos e as classes sociais mais elevadas. Essas pessoas vivem a falsa ilusão que transporte público é problema apenas das massas, do povão ignaro que não dispõe de veículo próprio. Talvez esse pensamento, que segue na contramão ecológica, seja um dos responsáveis pelo desprezo que se tem dado ao problema.

É o contrário do pensamento europeu. Em Wannsee, bairro a sudoeste de Berlim, o estarrecimento de Jales aumentou. Aguardávamos um ônibus em uma parada, quando um jovem arquiteto alemão desceu de um coletivo e nos disse que o próximo passaria em 37 minutos. Após um rápido papo, ele nos ofereceu carona até a estação de trem. Morando a alguns metros daquela parada, ele foi a casa, tirou a sua perua Audi da garagem e nos conduziu até a estação ferroviária.

O ato e o fato nos causaram espécie. Quantos brasileiros deixariam um Audi na garagem para ir ao trabalho de ônibus e trem? Não precisa dar essa resposta ao leitor. A atitude daquele alemão não tem qualquer indício de avareza. Quando o transporte público funciona, é muito mais confortável você usufruí-lo que tirar seu carro da garagem, dirigi-lo e perder minutos preciosos dispensando atenção ao trânsito.

Nesta segunda semana de outubro de 2009, a ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos) divulgou um levantamento realizado no período junho/2005-julho/2009 sobre os preços das passagens de ônibus nas 43 maiores cidades brasileiras. O resultado não se afastou do esperado: em 77% dessas cidades, o preço dos coletivos aumentou acima da inflação. Os números refletem o descaso das autoridades para esse serviço.

Interessei-me pela pesquisa referente à Natal, haja vista que aqui os ônibus representam quase 100% do transporte público urbano. Embora na planilha do levantamento, as passagens nos ônibus urbanos de Natal ainda estejam com o valor antigo (R$ 1,85), o acumulado de aumentos, para o período levantado, atinge 27,59%, para uma inflação de 20,16%. À luz fria dos números, conclui-se que o natalense paga caro por um serviço desconfortável, ineficaz e muito perigoso.

E as nossas autoridades municipais? Será que analisam esses números quando atendem às reivindicações dos empresários do setor? O último aumento que elevou as passagens de R$ 1,85 para R$ 2,00 aconteceu, por coincidência, após este levantamento da ANTP e como se percebe pelos números apresentados, não fez apenas a reposição da perda inflacionária como se anunciou.

Sem opções, o natalense da periferia, empregado do setor informal e sem direito ao vale, é a principal vítima desses aumentos. Como se isso não bastasse, ainda enfrenta o risco dos costumeiros arrastões e alguns assassinatos que têm como palco, os nossos coletivos. Enquanto isso, o engodo do vale-transporte (40% das passagens) alivia as tensões políticas dos aumentos. Bancado pelos empregadores, entra naturalmente nas planilhas de custo das empresas e na ponta afeta o bolso do consumidor.

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