Ailton Salviano

Atendendo à solicitação da UNESCO, o sociólogo, pedagogo e pensador francês Edgar Morin numa visão transdisciplinar da educação do amanhã, escreveu um interessantíssimo trabalho sob o título “Os sete saberes necessários à Educação do Futuro”.

Em um excerto dessa obra, ao analisar as cegueiras do conhecimento, Morin mostra as tendências ao erro e às ilusões, a que nós seres humanos estamos predispostos e envereda pelas complexas trilhas do imaginário humano e diz que cada mente possui um potencial de mentira para si própria. Isto pode ser explicado pela tendência natural que temos de projetar sobre o outro, a causa do mal.

Daí surge a necessidade de recorrer à autojustificação e à mentira para si mesmo, sem pelo menos, assumir a autoria desta mentira. É a denominada “self deception”, ou seja, auto-enganar-se, ou ainda, a maneira inata da pessoa negar ou criar com firmeza, explicações racionais contra certas evidências e argumentos óbvios e verdadeiros.

Quem não mente?
Há poucos dias, presenciei em um bar-restaurante da cidade, um senhor grisalho atender o celular e entre dois goles de uísque, dizer alto e bom tom para todos em volta escutarem: “minha filha, estou aqui na oficina mecânica consertando o carro!” Aquele senhor não fez nenhuma cerimônia para pronunciar aquela deslavada mentira. A impostação da voz era, sem dúvida, para que todos ali presentes escutassem.

As estatísticas dos psicólogos atestam que mentimos em média duzentas vezes por dia, o que dá, admitindo-se que dormimos em média 8 horas/dia, 12,5 mentiras por hora ou mais ou menos, uma mentira a cada 5 minutos. Citações sobre a mentira existem desde a Bíblia (João 8,44) e passa por quase todos os filósofos e pensadores em todas as épocas da história da civilização. A ubiqüidade da mentira a tornou, com certeza, uma das palavras com mais sinônimos, pelo menos, no nosso vernáculo.

Nestes tempos de CPI, que tal este diálogo entre o relator e um depoente:
– Quem lhe deu o pacote de dinheiro?
– Não me lembro do nome da pessoa que me entregou.
– E quanto havia em termos de valores?
– Não cheguei a contar.
– E a quem o senhor entregou o pacote?
– Também não sei o nome da pessoa que recebeu

Mais uma vez tem razão o professor Morin quando diz que “a importância da fantasia e do imaginário no ser humano é inimaginável”, tendo em vista que os dispositivos de entrada e saída do sistema neurocerebral representam apenas 2% e o restante (98%) constituem o nosso mundo psíquico onde se formam nossos sonhos, necessidades, ilusões, idéias e desejos.

Como acreditar em nós mesmos? Por quantos sofrimentos e desilusões, a história humana passou, vítima da mentira?

Para o grande pensador francês, de modo inconsciente, a nossa mente seleciona apenas aquelas lembranças que nos convêm. As inconvenientes são muitas vezes, recalcadas e até mesmo apagadas. O nosso potencial de se auto-enganar é uma fonte permanente de erros e ilusões.

Ao contrário, alguns estudiosos do assunto afirmam que a nossa mente é compatível apenas com a verdade. A mentira que aparece na primeira infância quando começamos a distinguir o falso do verdadeiro, pode nos acompanhar por toda a existência e tornar-se até uma fortíssima dependência, quando então mentimos compulsivamente. Neste caso extremo, o quadro é patológico e há necessidade de se recorrer à terapia psicológica.

Ao abordar o tema mentira, Morin o faz para fins didáticos, diferentemente de muitas pessoas que instintivamente mentem para obter vantagens ou convencer alguém a aceitar as suas “verdades”.

  1. “uma mentira a cada 5 minutos” … Puxa, essa é a média?
    Então como eu não minto mais do que 2 vezes por dia (geralmente, para agradar alguem,) outros estão mintindo muito mais!
    Ah! Sim, Meu nariz não tem crescido muito nesses meus 80 anos.
    Abraços
    Alan

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