O LEGADO DA FÍSTULA DO REI
Ailton Salviano
Há alguns dias, aqui em Natal, uma família amiga discutia sob um clima tenso, um tema muito íntimo.Tratava-se da cirurgia de uma fístula anal (orifício em torno do ânus que supura) em um dos rapazes, membro daquela família. Felizmente, a operação foi realizada e bem sucedida. O caso me fez lembrar de um fato histórico e curioso que li, há algum tempo, e que ocorreu na França de Luiz XIV, na segunda metade do século XVII.
A história, que à primeira vista pode parecer piada ou anedota, é real no duplo sentido, pois aconteceu com um rei e é verdadeira. Está citada na bibliografia médica (Ces malades qui nous gouvernaient – BOYET J.- 1985) e (De la Gastroentérologie à la politique – GÈRARD A. – 1983). Essas citações confirmam que o Rei Luiz XIV, também conhecido como “Rei Sol”, sofria dores horríveis por conta de uma fístula anal.
Conhecimentos sobre infecções anais foram descritos desde eras remotíssimas. O livro “Peeri Siryggon” de Hipócrates (460 – 350 a.C), por exemplo, citava procedimentos como a incisão, a cauterização e a ligadura para o tratamento das fístulas anais. Mas o cirurgião particular do Rei Sol, Dr. Charles Felix de Tassy viu-se diante de um dilema: com pouca experiência nesse tipo de enfermidade, como garantir um bom êxito na cirurgia real?
A notícia da enfermidade do rei foi citada no dia 5 de fevereiro de 1686 no Jornal da Corte dirigido pelo Marquês Philippe de Dangeau. A afecção fora atribuída à prática imoderada de equitação, à caça, aos passeios, às viagens e à guerra. Rumores afirmam que para adquirir experiência, Felix de Tassy realizou, durante um ano, algumas cirurgias em pobres e mendigos que viviam nas ruas de Paris.
O inusitado dessa situação entrou para a história da cirurgia. “Foi o primeiro registro da história de um ensaio de investigação clínico-terapêutico com uma completa revisão dos procedimentos conhecidos até aquela data para o tratamento de fístulas, acompanhados durante um ano”, segundo o dr. Joaquín Villalba Acosta.
A dolorida cirurgia real, sem anestésicos, pois não havia à época, foi realizada no dia 18 de novembro de 1686 em uma das salas do Palácio de Versailles. O pós-operatório foi muito sofrido para sua alteza. Houve mais cinco intervenções corretivas. Finalmente, o monarca foi considerado curado em 15 de fevereiro de 1687.
Alguns desdobramentos desse evento de trezentos e vinte e um anos são dignos de nota. Em 1715, Luiz XV, neto do rei cirurgiado, por decreto real, induzido por aquele evento, incluiu o ensino da cirurgia nas escolas de Medicina da França. Esse ato afetou bastante a atividade dos cirurgiões itinerantes ou barbeiros como eram chamados os profissionais que se dedicavam à cura de patologias de pouca importância. (feridas, fraturas, luxações etc.)
Em 1731, foi fundada a Sociedade Real dos Cirurgiões da França. A Inglaterra que perdera em 1442, o rei Henrique V com complicações dessa mesma enfermidade, fundou somente em 1880 o Colégio Real dos Cirurgiões e o Hospital São Marcos em 1835. Segundo a bibliografia, o Dr. Felix que curou o Rei Sol foi muito bem recompensado. Além de uma fazenda, recebeu de Sua Majestade, a importância de 40 mil táleres, a moeda da época.
Para se ter uma idéia do valor dessa moeda, o grande compositor Bach, em 1721, comprou 32 medidas de vinho do Reno por apenas nove táleres. A vultosa recompensa hoje, segundo o Dr. Sérgio Menolli, equivaleria aproximadamente a 480 mil dólares, o que torna essa cirurgia real e anal a mais bem paga de toda a história da Proctologia.
Alan E. Wootton
Caros Leitores,
Para obter mais informações sobre uma fistura anal, visite:
http://www.proctosite.com/library/books/livro_reis_novo/cap06.pdf
e verá fotos, e demais detalhes desta cirugia.
FELIZ ANO NOVO para totos!
Abraços
Alan