Ailton Salviano

Que o Ceará é um celeiro de humoristas, ninguém tem dúvida. Uma simples olhadela nos atuais programas humorísticos televisivos é suficiente para se encontrar vários artistas cômicos cabeças-chatas dos mais diversos estilos.

O conto a seguir, eivado do mais puro humor nordestino, me foi transmitido por um cearense em Limoeiro do Norte, progressista cidade do baixo Jaguaribe. Segundo ele, nos idos de 1900, era fato muito comum, caravanas descerem o vale do rio Jaguaribe levando no lombo de jumentos mercadorias diversas até a feira da cidade do Aracati.

Havia as mais diferentes classes de caravana. Algumas com bons recursos conduziam carnes, aves, farinha, rapadura, milho, feijão, cisal etc. Outras, menos favorecidas, levavam apenas o suficiente em alimento para as duas semanas de viagem e aventuravam-se para conseguir algum frete de retorno.

O caso aqui narrado envolve duas dessas caravanas; uma rica, abastada, com fartura de alimentos; outra pobre, sem recursos e com alimentação racionada. A primeira seguia à frente descendo o vale do Jaguaribe; a segunda caminhava alguns quilômetros atrás.

Vencida a primeira semana de caminhada, não tem mais jabá na caravana pobre. O seu chefe tropeiro reúne o grupo e diz o que todos esperavam:
“A jabá acabou e só resta a farinha. O jeito é a gente apressar o passo e chegar junto da caravana que vai na frente. Quando eles pararem para o rancho, a gente também pára. E aí, se aproveita o cheiro da carne assada deles que vem no ar o que dá para saborear com a nossa farinha!”

É tradição no Ceará, principalmente, para os habitantes do vale do Jaguaribe, nos dias de calor ficar esperando um vento forte que sobe o vale do rio passando pelas todas as cidades ribeirinhas. Tal brisa é conhecida pelo cearense como “o Aracati”.

E assim, aproveitando algumas dessas brisas do Vale do Aracati, a caravana pobre conseguiu durante uma semana, alimentar-se apenas de farinha seca e do cheiro da carne assada da caravana a montante.

Ao chegar na feira do Aracati, os tropeiros espalharam-se pelos bares da cidade e a notícia do procedimento da viagem chegou ao chefe da caravana rica. Este ficou indignado e queria uma recompensa a qualquer custo pelo cheiro aproveitado pelo seu concorrente.

Para resolver o impasse foi necessária a intervenção do delegado da cidade. Reunidos em audiência na delegacia, o tropeiro pobre confirmou que tinha realmente aproveitado o cheiro. O tropeiro rico dirigindo-se com veemência para o delegado diz:

– Se ele fez uso do cheiro tem que pagar!
O delegado, cenho franzido, perguntou então ao pobre se ele tinha algum dinheiro. Este bate nos bolsos e diz:
– Tenho apenas algumas pratas (moedas) nesse bolso da calça!

O delegado reflete por um momento e pede para o tropeiro balançar o bolso e provocar algum “tinido” com o choque das moedas. Em seguida, pergunta ao tropeiro rico:

– O senhor ouviu o “tinido”?
– Sim senhor!

Então a encrenca termina aqui. Voltem aos seus trabalhos e fica o “tinido das moedas pelo cheiro da carne!!!”

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