“Infelizmente, a seca continua sendo uma velha novidade” Cortez Pereira

As primeiras notícias de secas no nordeste brasileiro se perdem nos albores do tempo. Vejamos este excerto da obra “ Tratado da Terra e de Gente do Brasil ” (RJ, 1925) citado no livro de Joaquim Alves – História das Secas: “No ano de 1583 houve tão grande seca e esterilidade nesta província (cousa rara e desacostuMada, porque é terra de contínuas chuvas) que os engenhos d’água não moeram muito tempo. As fazendas de canaviais e mandioca, muitas se cessaram, por onde houve grande fome, principalmente no sertão de Pernambuco…”Este é um dos primeiros registros de uma seca no nordeste. Aconteceu na penúltima década do século 16. No século seguinte (17), nesta mesma obra, o autor admite mais 6 períodos de seca – 4 citados por Sampaio Ferraz: 1603, 1614, 1645 e 1692; 2 acrescentados por Joanne Bauchardet: 1606 e 1692. Foram épocas de sacrifício que ocasionaram grandes dificuldades para o colonizador português se fixar no interior e a demandada de contingentes de índios errantes e famintos em direção ao litoral.

As informações desses períodos são raras e desencontradas. Pouco se sabe. Apenas que a grande seca de 1692 provocou a migração das populações, principalmente de negros africanos, para as atividades mineiras nas Minas Gerais partindo da Bahia ao longo do vale do São Francisco. Ainda neste mesmo período, inúmeros escravos das ordens religiosas morreram de fome, segundo as esparsas crônicas daquele tempo.

Às seis secas do século 17, seguiram-se no Rio Grande do Norte mais 9 períodos de estiagens no século 18. À luz dos números, praticamente, uma seca a cada década: 1710, 1721, 1723, 1736, 1744, 1766, 1777, 1784 e 1791. Somente nos anos 1750 não foram registradas grandes estiagens. Como se vê, não se trata de uma ocorrência anômala e sim de uma repetição cíclica e apavorante. No dizer de Euclides da Cunha em Os Sertões: “De fato, os seus ciclos abrem-se e encerram-se com um ritmo tão notável, que recordam um desdobramento de uma lei natural, ainda ignorada”. Passado o século 18, as secas retornaram ao longo dos séculos 19 e 20.

Somente em 1909 surgiu um órgão oficial para mitigar o flagelo das secas – A Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), o atual DNOCS. Em um século de existência, construiu aproximadamente 300 açudes de médio e grande porte no semiárido nordestino. Esta ação que se estendeu por todo o século 20 não reflete nenhuma novidade tecnológica, é simplesmente a cópia do fundamento de barrar rios usado desde os primórdios da civilização no Egito e na Índia.

Os índices pluviométricos no nordeste podem oscilar entre 200mm (seca de 1993) a 1400mm (ano chuvoso de 1985). A região é atípica neste sentido, se comparada com outras regiões globais de mesma latitude. Chuvas existem, apesar da intermitência das estiagens. O que dizem há muito, os técnicos internacionais é a falta de gerenciamento dessa água. Como evitar os elevadíssimos índices de evaporação dos açudes? Como armazenar o máximo? Como aproveitar as águas pluviais que rolam nos solos impermeabilizados das grandes cidades nordestinas. Há pouquíssimos incentivos para pesquisas nessas áreas. A rigor, a construção de adutoras e agora de cisternas são meros paliativos.

É muito triste analisar a lentidão das decisões políticas para solucionar alguns problemas crônicos relacionados com a seca. A conclusão da barragem de Orós, por exemplo, se deu em 1961, ou seja, 350 anos após a primeira seca descrita no início deste artigo. Vinte e dois anos mais tarde (1983) foi concluída outra barragem de porte, a Armando Gonçalves Ribeiro situada no vale do Açu. E dezenove anos depois em pleno século 21 (2002), outra grande barragem é inaugurada – O Castanhão no vale do Jaguaribe. Entre a primeira e a última barragem, um intervalo de 41 anos.

Com certeza, teremos outras secas ao longo do século 21. Como sói nessas ocasiões, nossos futuros governantes continuarão inertes a assistir outras tragédias anunciadas. As medidas preventivas que se desenvolveram em cinco séculos são inexpressivas. Junte-se a essas, a falta de continuidade das poucas ações político-administrativas. Cada governo para mostrar serviço sempre recomeça do zero atitudes repetitivas e ineficazes, numa tentativa vã de querer ser o pai das soluções. Entra século e sai século e continuamos a ouvir velhos chavões.

Quinhentos anos são mais que suficientes para desenvolver medidas preventivas eficazes. Promover reuniões técnicas para discutir o aquecimento das águas do Pacífico ou do Atlântico Sul para saber se o ano será chuvoso ou não, é atitude válida como conhecimento científico. Mas, em termos práticos, representa apenas ficar a mercê dos desígnios da natureza.

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